Um acidente, o coma e a alegria de reaprender a andar
Valdir Julião - repórter TN
Duas datas contam a história entre a morte e a vida de Raul Cali Ramos Feitosa, sete anos: a primeira, 17 de julho de 2011, foi o dia em que o menino se afogou na piscina de adulto de um parque aquático em Ponta Negra, que o colocou em coma por 20 dias na Unidade de Terapia Incentiva (UTI) do Hospital Walfredo Gurgel. “Passou-se mais seis dias e ele abriu os olhos”, relembra sua mãe, a pedagoga Antônia Márcia Ramos.
Duas datas contam a história entre a morte e a vida de Raul Cali Ramos Feitosa, sete anos: a primeira, 17 de julho de 2011, foi o dia em que o menino se afogou na piscina de adulto de um parque aquático em Ponta Negra, que o colocou em coma por 20 dias na Unidade de Terapia Incentiva (UTI) do Hospital Walfredo Gurgel. “Passou-se mais seis dias e ele abriu os olhos”, relembra sua mãe, a pedagoga Antônia Márcia Ramos.
Daí em diante, continuou o drama de Raul, que ficou mais 14 meses, praticamente, sem responder a qualquer estímulo, por causa da falta de oxigênio no cérebro pelos mais de dez minutos que esteve afogado na piscina.
O milagre veio depois, em 19 de setembro de 2012, Raul andou pela primeira vez - “deu três passos e se abraçou ao professor”, contou Márcia Ramos, que até hoje está licenciada da escola municipal “Baixinhos Educados”, onde ela trabalha, em São Gonçalo do Amarante, para poder acompanhar o filho.
Antes disso, o pequeno Raul, peregrinou por três hospitais e clínicas de reabilitação, pois além do HWG, passou mais 15 dias no Hospital Papi, de onde recebeu alta no dia 17 de agosto do ano passado: “Mas ele ficou totalmente dependente de mim”, continuou a pedagoga.
Márcia Ramos explicou que, em seguida, ficou com ele mais quatro meses no Hospital Sara Kubitschek, em Brasília, referência em neuroreabilitação no país.
Ainda quando estava com o filho hospitalizado no HWG, a pedagoga disse que recebeu a noticia mais triste, que o filho estava desenganado e não voltaria mais a andar e havia dúvidas se Raul voltaria a falar, andar e ver, “porque havia faltado oxigênio e quase todas as áreas do cérebro”.
No Hospital Sara Kubistchek o menino submeteu-se a todo um trabalho fisioterápico mecânico. Lá, segundo ela, pôde aprender a lidar com o filho numa situação diferente, “que parecia um bebê, como se tivesse tido uma nova gestação”.
Após voltar de Brasília, Márcia disse que procurou outras clínicas de reabilitação, “porque queria também um trabalho complementar e mental” para o seu filho. Então, foi que conheceu a médica Elisabete Montenegro, que trabalha com o Método Padovan.
Mas, a pedagoga afirmou que começou a ver resultados depois de uma amiga, que é professora na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ter lhe contado sobre o trabalho desenvolvido pelo professor Raimundo Barata no Departamento de Educação Física daquela instituição de ensino superior, onde chegou com Raul em fevereiro deste ano.
O professor Raimundo Barata já faz um trabalho de fisioterapia com idosos e pessoas vítimas de acidentes vascular cerebral (AVC) ou que enfrentam problemas de saúde decorrentes de diabetes, por exemplo, usando a água na piscina semiolímpica do Parque Aquático da UFRN como ambiente adequado para a recuperação dessas pessoas.
Barata disse que “já sabia que a solução para Raul estava ali, dentro da água”, mas tinha receio que por causa do trauma do afogamento, a criança rejeitasse a piscina. Pelo contrário, quando o menino viu água foi a maior alegria - “ele parecia um pato, não teve rejeição nenhuma”.
Segundo a mãe, Raul “ficou doido pela água” e, desde então, vem apresentando avanços nunca antes inimagináveis. “Quando se afogou, era uma criança alfabetizada, sabia ler e escrever”, acrescentou Márcia Ramos, mas depois de perder a fala e outros sentidos, voltou a andar, já está na escola “Baixinhos Educados”, reaprendendo as coisas “juntando as letrinhas” e falando “mãe, nadar, me dá...”
No dia em que caiu na piscina adulta do parque aquático, Raul estava acompanhado do pai, que não viu quando o filho saiu de onde ele estava. O garoto só foi salvo, mesmo tendo de passar por todos esses problemas, porque uma jovem grávida viu, da janela do oitavo andar do edifício de apartamentos onde mora, que o menino havia caído e estava submerso, em pé, e sem ninguém por perto.
A mãe dele conta que a jovem, grávida, pegou o elevador, desceu o edifício, correu para o parque aquático e pulou na piscina pra retirar o menino. Depois, chegou um médico que estava no local, fez o trabalho de reanimação, tentou desistir e seguiu com o trabalho de reanimação. A criança, segundo os médicos, já havia tido morte cerebral, tendo ele recuperado as funções vitais depois que chegou a equipe de socorristas do Samu Metropolitano, a qual ministrou uma injeção de adrenalina, que permitiu a sobrevida de Raul.
Trabalho desenvolvido é filantrópico
O trabalho fisioterapêutico no parque aquático da UFRN é filantrópico e dele, hoje, participam mais de 200 pessoas. “A nossa preocupação também é com aquelas pessoas que não podem pagar por uma clínica de reabilitação, precisam de atendimento e aqui a gente pode ajudar”, afirmou o professor Raimundo Barata. “Nunca fiquei tão gratificado em termos de trabalho realizado quanto o que foi feito com Raul”, continuou Barata, o qual lembrou ter chorado bastante, quando viu o menino dar os três primeiros passos fora da piscina.
Além de permitir que a pessoa ganhe mais massa muscular que fora da piscina, o professor Barata explicou que o trabalho fisioterapêutico ministrado por ele faz com que a pessoa perca mais caloria, porque precisa fazer mais força dentro da água, “que é mais de 900 vezes mais densa do que o ar”. Segundo Barata, para cada 500 gramas de massa muscular que uma pessoa ganha a mais, exige-se a queima de mais 60 calorias para o corpo continuar funcionamento normalmente.
Ele também anda um pouco preocupado, porque as duas piscinas semiolimpícas do parque aquático da UFRN vão passar por reformas, e vai pedir para que isso não ocorra simultaneamente, o trabalho de recuperação de uma só comece depois de terminar a da outra.
A piscina olímpica está fechada, segundo ele, porque tem mais de 200 metros quadrados de azulejo solto, sem falar que as paredes das piscinas semiolimpicas vão passar por restauração, mas reclamando que as obras estão sem entregues sem haver uma fiscalização mais rigorosa: “A piscina grande ficou cinco anos parada, foi recuperada, passou mais três anos e precisa de outro reparo”.
Somente para relatar o resultado positivo que a fisioterapia dentro d’água traz, Barata informou que fez uma pesquisa com 36 idosos, divididos entre os que tinham um trabalho na piscina e outros que não participavam. Segundo ele, desses idosos, 16 que trabalhavam na piscina deixaram de cair: “Dois continuaram caindo “porque faltavam, não faziam o trabalho frequentemente”, continuou ele.
Melhora
O professor Raimundo Barata chefia o Núcleo de Saúde do Departamento de Educação Física da UFRN e disse que em 40 anos de profissão nunca tinha visto “uma recuperação como a de Raul”. Barata explicou que o maior problema de Raul, foi o fato de que durante a fisioterapia convencional e mecânica, ele não recuperou a massa muscular que havia perdido enquanto ficou em coma ou internado em hospitais: “Quando o vi, pensei que o destino dele era ficar numa cadeira de rodas ou numa cama”. No início do tratamento, Raul “dava passos aleatórios e sem nenhuma coordenação motora”, como se fosse “um soldado alemão dando passos de ganso”. A mãe disse que ele só caminhava se fosse com duas pessoas o segurando com as mãos, de um lado e outro: “Não tinha autonomia para caminhar”. Em 13 de fevereiro deste ano Raul começou as atividades e movimentação dentro da piscina, para que ele voltasse a ter massa muscular. Agora, a criança voltou a ser alegre, brincalhona, levanta o polegar em sinal de “Ok” e até abraçou-se com o repórter, mexeu no bloco de anotações e ainda pediu pra ver a fotografia tirada dele ao lado da mãe.