domingo, 2 de agosto de 2015

Edição Especial:

São Gonçalo é cultuado por todo o Brasil com diferentes tradições

No mês do folclore, o Globo Rural conta histórias e danças do beato que virou santo casamenteiro das mulheres mais velhas e padroeiro dos violeiros.

José Hamilton Ribeiro Várzea da Palma, MG
 
 O repórter José Hamilton Ribeiro mostra as diferenças das tradições  pelo país e como o beato virou o santo casamenteiro das moças mais velhas e também o padroeiro dos violeiros.

Existem belas músicas sobre São Gonçalo, como a "Ora Viva" que o cientista e compositor Paulo Vanzolini coletou do repertório popular, e que a Orquestra Paulistana de Viola Caipira, do Instituto São Gonçalo interpreta.
 
Essa inclinação dos músicos a São Gonçalo se deve a que ele, além de padre, era "folgazão", quer dizer, gostava de roda de viola, de dança, de cantoria.  É o padroeiro dos violeiros e também o santo casamenteiro das mulheres de mais idade.
 
A professora Lilian Voguel escreveu o livro, “São Gonçalo: um violeiro santo ou um santo violeiro?”. “Diante das nossas pesquisas, nós acreditamos que é um violeiro que virou santo, porque ele já tocava a guitarra portuguesa quando virou um padre dominicano e depois pregou usando a viola na sua pregação”, avalia a professora.
 
Existem diversas figuras para representar São Gonçalo, duas delas mais comuns. Numa, ele aparece com roupa de frade dominicano, como um santo. Noutra, é um homem do campo, assim um pastor de ovelhas, ou agricultor, em algumas delas traz nos braços uma viola.
Tendo vivido no interior de Portugal há 800 anos, a memória de São Gonçalo mistura lendas e fatos. Um é inegável: ele tem devotos fiéis, tanto em Portugal como no Brasil.
 
No Brasil temos 22 municípios com nome de São Gonçalo, São Gonçalo do Amarante ou variações. Mesmo em muitas cidades sem nome de São Gonçalo, existem paróquias em sua devoção, sendo Minas Gerais o estado com maior número delas.
 
Tavinho Moura, o Brasil conhece. “O negócio é que eu sempre gostei de São Gonçalo, desde quando eu ia passar férias em Porteirinha, Minas afora, que eu gosto dessas festas populares. Outra coisa interessante é que ele era um violeiro, que começou a frequentar os ambientes onde as mulheres dançavam, os bordéis ou coisas da época, e começou a atraí-las para a religiosidade através da música e da dança. Eu fiz até uma música pra São Gonçalo”, conta.
 
Mais do que ser lembrado em música, São Gonçalo no Brasil é uma dança. Em Joanópolis, cidade de 15 mil habitantes, a cem quilômetros de São Paulo, ela é feita por casais. A dança é dividida em voltas que os pares dão no altar. Uma jornada plena pode ter até 30 voltas e levar o dia inteiro, mas quase nunca o festeiro pede tanto. Quem lidera o grupo é uma mulher, dona Dorinha. “Isso aí já vem de geração, dos tataravós pra cá. Eu estou acompanhando a festa de São Gonçalo há 55 anos”, conta dona Dorinha.
 
A maioria dos participantes de São Gonçalo de Joanópolis vive na roça. Narciso da Silva luta com um gadinho de leite, umas galinhas, uma leitoa na engorda. “Tô com 65 e com 8 anos já dancei pra São Gonçalo”, conta.
 
Já Clementina Bueno, 77 anos, vizinha do Narciso, depende da enxada afiada pra manter limpa a horta de couve. “Pra mim viver aqui é bom, pra mim não falta nada. Aqui tem tudo, tem tranquilidade, serviço também não falta, graças a deus, né?”, afirma.
 
O terreno de Clementina é sempre usado para ensaio de São Gonçalo quando tem festa marcada. Ela própria é uma das dançadoras.
 
A dança de São Gonçalo está sempre na igreja ou perto dela. Na região de Joanópolis não tem dia certo. Depende de quem vai dar a festa, geralmente em pagamento de promessa.
 
Dois pesquisadores de música estão vendo essa festa com olhos de especialistas. O violeiro e professor Marcos Santos está estudando os ritmos do São Gonçalo. “Aqui é muito comum a gente ver duas batidas: que é o recortado e o cururu”, comenta.
 
“A música da dança de São Gonçalo é a música caipira baseada na viola”, diz Simone Sperança.
A fé em São Gonçalo envolve pedidos para problemas pessoais de todo tipo, mas segundo a professora e folclorista Neide Rodrigues Gomes, há uma especialidade. “Aquelas moças não tão jovens que querem se casar, então procuram o santo, fazem uma promessa, para que ele lhe arranje casamento. Santo Antonio casamenteiro das jovens e São Gonçalo casamenteiro das velhas”, explica.
Porque muito de sua vida está envolta em lendas, cada terra tem uma ideia de São Gonçalo diferente da outra;  isso se reflete também no modo de dançar. 
 
Em Barra do Guaicuí, à beira do Rio das Velhas, norte de Minas Gerais existe um São Gonçalo diferente.
 
Na dança lá de Joanópolis, homens e mulheres participam por igual. Em Guaicuí, as mulheres é que são as protagonistas. Homens, só dois, e assim mesmo mancando, como se fossem doentes do pé. Dizem que o santo punha prego no sapato para se penitenciar enquanto dançava e assim já ir pagando os pecados que surgissem.
 
“A dança de São Gonçalo é uma dança de devoção, basta ter fé. Principalmente se você estiver com uma dor no joelho ou alguma coisa, basta pedir que pode ter certeza que a gente consegue”, conta uma participante.
Na cidade a maioria dos dançadores vive na roça. São Gonçalo está sendo feito numa velha igreja abandonada, onde uma figueira expõe suas raízes de forma incomum. Parece que o lugar ficou até mais sagrado.
 
Do norte de Minas para São Gonçalo do Amarante, a 70 km de Fortaleza, no Ceará. O povo acredita q a cidade está passando por um milagre, um grande surto de progresso. 
A cidade do município é discreta, como se fosse uma cidadezinha do interior. É hoje, porém, uma potência econômica, com o maior porto do estado, praias que atraem visitantes de todos os cantos do país e até do exterior e usinas eólicas nas dunas de areia. 
“As boas notícias se devem à natureza, temos os homens que não desistiram no meio do caminho, acreditaram e viram, e temos a ajuda de São Gonçalo”, diz Cláudio Pinho, prefeito de São Gonçalo do Amarante-CE.
 
Outra coisa singular; a cidade foi fundada por um repentista-cantador que tinha devoção pelo santo folgazão. Fundador e padroeiro, adeptos da viola. Só faltava o padre ser violeiro.
“Sou o padre Marcílio Jerônimo, da paróquia de São Gonçalo do Amarante, no Ceará. Nós já fizemos casamentos aqui de pessoas de 30, 40 anos, que ainda não tinha se casado e que conseguiram encontrar um marido, graças á São Gonçalo e às suas orações”, conta o padre.
 
O repentista fundador da cidade, Neco Martins, é uma lembrança permanente na cidade.
Tália Liberdade Brasileira, bisneta do fundador de São Gonçalo do Amarante, no Ceará. “Como mulher, eu aprecio a parte que ele protege a gente, principalmente as mais coroas", comenta.
 
A dança de São Gonçalo vem tomando uma forma parecida com forró no Ceará, com ritmo febril, sem deixar de fora a devoção.
 
Na segunda reportagem especial sobre São Gonçalo, o Globo Rural mostra que em Portugal, São Gonçalo é festa junina, com desfile de bombos e bandinhas. E como um ritual pagão acabou se enredando na festa, acrescentando a ela uma situação inusitada.